Lucas Rocha, da CNN
A combinação de fortes chuvas, habitação desordenada e instalações insuficientes de redes de água e esgoto pode levar a grandes enchentes. No Brasil, tragédias ocasionadas pela mistura da força da natureza e da ação humana no meio ambiente fazem parte do noticiário há décadas.
Neste verão, Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, vivenciou o maior desastre natural da cidade. De acordo com dados do Corpo de Bombeiros, ao menos 182 pessoas perderam a vida após os fortes temporais registrados no dia 15 de fevereiro.
Além dos riscos diretos à vida das populações, devido à grande força das águas e de deslizamentos de terra, os alagamentos também podem trazer um rastro de doenças.
Quando se fala em inundações, a leptospirose é a primeira doença que vem à mente. No entanto, a lista é ainda maior incluindo difteria, cólera, febre tifoide, hepatite A, giardíase, amebíase, gastroenterites diarreicas e esquistossomose.
Conheça os principais riscos sanitários associados aos alagamentos e saiba como se proteger:
Vacinas protegem contra doenças das chuvas
As inundações favorecem a transmissão de doenças adquiridas pelo contato com água ou alimento contaminado ou entre os indivíduos, principalmente em ambientes com aglomeração, como nos abrigos.
Doenças como diarreia por rotavírus, influenza, meningite, rubéola e tétano podem ser prevenidas pela vacinação.
Tétano
O tétano pode ser contraído em acidentes com entulhos, principalmente durante a limpeza do ambiente e na reconstrução das moradias afetadas pelas chuvas. Para evitar o contágio, é preciso proteger mãos, braços, pés e pernas com luvas e botas durante o manejo dos entulhos.
A vacina é a principal forma de prevenção, sendo aplicada em três doses, com reforço a cada cinco ou dez anos. Além disso, o soro antitetânico pode ser indicado em algumas situações para prevenção e tratamento da doença.
Os sintomas incluem rigidez muscular em todo o corpo, dificuldade para abrir a boca e para engolir, riso convulsivo involuntário, produzido por espasmos dos músculos da face. O tratamento pode ser feito a partir do uso de antibióticos, relaxantes musculares, sedativos ou imunoglobulina antitetânica.
Leptospirose
A leptospirose é causada por uma bactéria transmitida pelo contato com água ou lama contaminada com a urina de animais infectados, principalmente de ratos.
Com o enchimento de rios e córregos, a rede de esgoto pode transbordar, fazendo com que a água chegue até as tocas de ratos, como galerias, lixões e terrenos baldios. As enchentes levam a água contaminada às ruas, aumentando os riscos de contágio.
A transmissão acontece por meio do contato com a pele, as mucosas ou a ingestão de alimentos e líquidos contaminados. Além de evitar o contato com a água das enchentes, a prevenção inclui a limpeza dos ambientes e das roupas molhadas pela água potencialmente contaminada.
Os sintomas mais frequentes são febre, dor de cabeça e no corpo, principalmente nas panturrilhas. Algumas pessoas podem apresentar vômitos, diarreia e tosse. Nas formas mais graves, pode haver icterícia, que é a coloração amarelada da pele e dos olhos.
Outras doenças causadas por água contaminada
A água contaminada pode conter uma grande quantidade de microrganismos causadores de doenças como cólera, febre tifoide, hepatite A, giardíase, amebíase, gastroenterites diarreicas e esquistossomose. Os sintomas mais comuns a grande parte dessas doenças são febre, vômitos e diarreia.
Na ausência de água da rede de abastecimento local, o Ministério da Saúde recomenda filtrar e desinfetar a água disponível com solução de hipoclorito de sódio (duas gotas de hipoclorito de sódio a 2,5% por litro de água) e consuma após 30 minutos. Outro procedimento é filtrar e ferver a água por 5 minutos.
As principais medidas de prevenção incluem evitar o contato com água e lama contaminadas, entre outras ações como:
- Tomar somente água tratada, da rede de abastecimento local
- Limpar adequadamente a caixa-d’água a cada seis meses
- Preparar alimentos com água própria que esteja dentro do padrão de potabilidade
- Lavar as mãos antes de manipular alimentos e das refeições, e após ir ao banheiro
Hepatite A
A contaminação pela hepatite A acontece pela via fecal-oral, ou seja, por meio do contato entre indivíduos ou por meio de água ou alimentos contaminados, especialmente no contexto das chuvas. Por isso, a doença costuma se propagar em regiões com condições precárias ou inexistentes de tratamento de água e esgoto.
As principais formas de prevenção são a melhoria da rede de saneamento básico e a adoção de hábitos de higiene, como a lavagem regular das mãos e dos alimentos consumidos crus, além da limpeza de pratos, copos e talheres.
A infecção nem sempre é sintomática, mas os pacientes podem sentir cansaço, tontura, enjoo, vômitos, febre, dor abdominal, além de apresentar pele e olhos amarelados, urina escura e fezes claras. Os sintomas costumam aparecer entre duas e seis semanas e duram menos de dois meses.
A vacinação é recomendada para pessoas acima de um ano, em esquema de duas doses, com intervalo de seis meses. O imunizante contra a hepatite A não está disponível amplamente para a população, sendo oferecido pelo SUS para crianças de 15 meses a 5 anos incompletos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Os riscos das doenças respiratórias
A destruição das moradias de inúmeras famílias devido a inundações e deslizamentos faz com que as pessoas tenham que alojar na casa de parentes e amigos ou em abrigos públicos. A aglomeração favorece a transmissão de doenças respiratórias, como a Covid-19 e a gripe comum.
A transmissão acontece entre pessoas, a partir do contato com saliva e secreções respiratórias contaminadas durante a tosse ou o espirro.
Como prevenção, valem as medidas recomendadas desde o início da pandemia: uso de máscara, higienização das mãos com água e sabão, uso de álcool gel, manter os espaços ventilados, manutenção do distanciamento sempre que possível, e adesão à vacinação contra a Covid-19 e a gripe.
Acidentes com animais peçonhentos
Eventos naturais como as fortes chuvas podem levar ao aparecimento de animais peçonhentos, como serpentes, escorpiões e aranhas. Os especialistas recomendam buscar saber quais serviços de saúde próximos à residência oferecem a aplicação de soros no caso de acidentes com animais peçonhentos.
Diante de um acidente, é preciso buscar atendimento médico o mais rápido possível e evitar qualquer tipo de intervenção como o uso de torniquete, chupar a ferida ou aplicar substâncias no local por conta própria.
A prevenção inclui a limpeza dos ambientes domésticos, como quintais, além de sacudir roupas e sapatos antes de usar.
Doenças causadas pelo Aedes aegypti
Embora as doenças transmitidas pelo Aedes aegypti não estejam diretamente associadas às fortes chuvas, o acúmulo de água parada pode favorecer a proliferação do mosquito.
Os ovos do inseto podem permanecer em ambientes secos por mais de um ano. Com o acúmulo de água, eles encontram o ambiente adequado para dar continuidade ao ciclo de vida, que ainda inclui as fases de larva, pupa até o mosquito adulto.
“O acúmulo dessa água faz com que haja um ambiente propício para a proliferação desses vetores e o surto de doenças como dengue, Zika e chikungunya”, afirma a pesquisadora Nelzair Vianna, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na Bahia.
Conheça os principais criadouros do Aedes aegypti
Impactos para a saúde mental
O acontecimento de uma enchente e de deslizamentos em geral está relacionado a um evento traumático envolvendo a perda de bens materiais e de entes queridos. Além dos impactos para a saúde física, os incidentes podem trazer grave sofrimento e afetar de forma significativa a qualidade de vida dos indivíduos.
“As pessoas tendem a adoecer mais, não só fisicamente mas emocionalmente. Os quadros de depressão, ansiedade e de pânico pela situação pós-traumática são muito graves e têm que ser tratados com a mesma seriedade que todas as doenças clínicas”, afirma a médica Roberta França.
Identificar os sinais de que a saúde mental não vai bem e procurar ajuda especializada pode ajudar a prevenir e tratar esses quadros. Desde o início da tragédia em Petrópolis, a médica Julia Morelli Rosas, diretora da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), atua no atendimento da população.
“Fizemos um trabalho de acolher as pessoas que estavam recebendo as notícias tanto das suas casas quanto dos seus parentes e amigos que haviam sofrido diretamente com o deslizamento e a enchente. Fizemos um acolhimento para acalmar, tentar dar um pouco de conforto e de segurança nesse momento”, disse.