Cruzeiro do Sul, Acre, 24 de novembro de 2024 09:05

Ampla aliança de partidos de esquerda e de direita em torno de Zequinha Lima é coerente com sua trajetória política

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A ampla aliança de partidos de esquerda e de direita em torno da candidatura à reeleição de Zequinha Lima é totalmente coerente com sua trajetória política. Mas não apenas: a forma como essa aliança foi construída aponta para uma tendência que já se insinua no campo político mundial.
Progressistas (PP), PSDB, PDT, União Brasil, Federação Brasil da Esperança, Republicanos, Cidadania, Podemos, Solidariedade e PL estiveram no palanque da convenção que confirmou a candidatura de Zequinha. Sua campanha de reeleição foi capaz de colocar no mesmo palanque, por exemplo, o bolsonarista Márcio Bittar – recém egresso após ter saído da chapa da adversária de Zequinha, Jessica Sales – e o veterano comunista, Edvaldo Magalhães. Para quem não sabe, na Federação Brasil Esperança estão justamente o PT, o PcdoB e o PV.
Ao primeiro olhar, o senso comum leva a atribuir o amplíssimo leque de alianças capaz de colocar comunistas e bolsonaristas no mesmo palanque, como fruto único e exclusivamente da disputa pelo poder, que faz com que não sejam respeitadas as distinções clássicas da política entre esquerda e direita e transformam a coalização em um ‘balaio de gatos’ sem identidade definida.
Bem, o objetivo deste artigo é justamente demostrar, com fatos e argumentos, de que não se trata disso, mas pelo contrário, do reflexo de uma crise política no seio da democracia ocidental que vem borrando as distinções concretas entre esquerda e direita, transformando-as apenas em caricaturas performáticas, e que Zequinha Lima, por sua trajetória emblemática se torna justamente essa figura política capaz de contornar estas distinções performáticas em prol do bem comum da comunidade, ou das comunidades, que compõem Cruzeiro do Sul.
Longe de ser uma excepcionalidade produzida pelo isolamento amazônico, sua forma de pensar e conduzir a política reflete uma tendência e é totalmente coerente tanto com a formação histórica de Cruzeiro do Sul e do Brasil, quanto com os princípios que regem a Constituição Federal de 88¹.
Zequinha Lima, bem como seu vice Henrique Afonso, Edvaldo Magalhães e outros tantos, tiveram sua trajetória pessoal e política iniciada no seio da Igreja Católica, como seminaristas. Para quem não sabe a fundação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Cruzeiro do Sul se deu por grande empenho pessoal de uma irmã da Igreja Católica, a irmã Adila. Assim, não é difícil traçar a genealogia do que viria a ser à ‘esquerda’, com a igreja. Para quem não sabe, a Doutrina Social da Igreja Católica² foi um divisor de águas importante quando foi estabelecido pelo Papa Leão XIII o papel da igreja no combate às desigualdades sociais e defesa dos trabalhadores. Este é o princípio que regeu a formação de alguns dos partidos de esquerda no Brasil e a própria Constituição Federal, por exemplo, quando nela se prevê o direito à propriedade privada, mas também uma função social vinculada a esta mesma propriedade, ou ainda quando num mesmo inciso do artigo primeiro enuncia os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Em todo o texto constitucional é possível vislumbrar esse cuidado em manter um equilíbrio entre as liberdades individuais e os deveres sociais.
Ou seja, há muito mais coerência em buscar estes princípios que estão no fundamento da ordem política do país do que em adotar uma polaridade performática que nada diz de concreto para a população.
Em segundo, é preciso que se diga que a tal ‘esquerda’ vive uma profunda crise em que cada vez mais se afasta da defesa das condições materiais da classe trabalhadora, para uma defesa performática dos chamados valores identitários, que em que pese sua importância para grupos minoritários, não são capazes de mobilizar as massas. Num extremo, o chamado ‘identitarismo woke’, certa ou erradamente associado à esquerda política, representa uma guerra cultural contra os valores morais desta mesma classe trabalhadora. Ou seja, além de não oferecer nada de concreto, esse segmento, associado à esquerda, ainda pede que este mesmo trabalhador para quem falta tudo, inclusive trabalho, se dispa também de seus valores religiosos e morais. É uma conta que não bate.
A direita, por sua vez, igualmente não oferece nada de concreto, mas apenas a defesa desses mesmos valores e isso é o suficiente para ter a preferência popular. O que poucos se dignam a dizer é que direita e esquerda nas democracias ocidentais, são ambos frutos do pensamento liberal.
É por essa razão que muitos autores já falam em uma tendência pós-liberal em que são recolocados no centro valores como família, tradição, nação; com tais valores ressurgem ou são alimentados os valores da solidariedade comunitária, a busca pelo bem-comum que deve ser o objetivo de toda sociedade.
Autores britânicos, identificados igualmente com o cristianismo e o trabalhismo, apontam suas críticas ao ultraliberalismo individualista da direita e do indentitarismo da esquerda, sendo ambos frutos de um individualismo liberal, ainda que resultantes de diferentes interpretações.
David Goodhart, por exemplo, critica o liberalismo por negligenciar a coesão social e a identidade nacional, propondo uma combinação de justiça econômica com valores comunitários, enquanto John Milbank explora a política pós-liberal do Partido Trabalhista Britânico, combinando justiça econômica com conservadorismo social.

Ao final do texto coloco os links dos autores caso alguém deseje se aprofundar no tema³.
Ou seja, a possível ‘nova política’ pós-liberal assenta-se sobre valores da identidade nacional e regional capaz de unir – em oposição às micro-identidades fragmentárias na esquerda atual e os valores de uma religiosidade voltada e devotada ao bem comum, à melhoria concreta das condições de vida da coletividade, ao sentido de comunidade – em oposição ao individualismo professado por parte da direita.
Quem como eu acompanhou o mandato de Zequinha Lima, viu estes valores serem postos em prática. Tomando como exemplo o segmento da assistência social, liderado justamente pela sua vice, Delcimar Leite, a gestão ampliou o acesso aos programas federais, levando o serviço, e o cadastro onde nunca havia antes chegado. Não custa lembrar que o próprio serviço de assistência social preconiza a centralidade da família para a efetividade de todas as ações e serviços ‘o que representa a não fragmentação do atendimento ao se pensar o indivíduo em seu contexto familiar” (PNAS, 2004) 4.
Zequinha buscou ativamente as igrejas, católica e evangélicas, principalmente, e eventualmente espíritas, para ampliar o alcance das ações sociais. Isso não foi impedimento que fizesse uma política voltada também para a classe trabalhadora, em diálogo permanente com os sindicatos.
Zequinha fez uma política voltada para a maioria, mas olhando para as comunidades que mais necessitam do poder público como moradores rurais, ribeirinhos.
Sem perder esse foco na maioria, sua gestão teve também um olhar diferenciado para as minorias. Foi o primeiro prefeito a incluir em sua gestão representantes de comunidades indígenas. Criou a secretaria de igualdade racial e ampliou a rede de proteção à mulher zerando os incidentes de violência doméstica com uma estratégia preventiva.
Sem ter a pretensão de exaurir as realizações de sua gestão, por fim gostaria de trazer como exemplo o evento carregado de simbolismo que para os mais desavisados, tratou-se de uma inauguração de uma simples rotatória na avenida 25 de Agosto.
O simbolismo, contudo, reuniu aqueles que são considerados os principais formadores de Cruzeiro do Sul: Igreja Católica e Exército Brasileiro, uma vez que a obra serve à Paróquia de Nossa Senhora de Aparecida e ao 7° Batalhão de Infantaria de Selva. Diz-se em Cruzeiro do Sul que até a chegada de Orleir Cameli ao governo, o Estado tinha pouca importância face estas duas instituições. Mas, com a presença do governador Gladson Cameli, Zequinha finalmente deu o lugar à estátua de Marechal Thaumaturgo, que desde o centenário da cidade, em 2004, vinha sendo jogada de um lado para outro, dado a falta de entendimento entre governo e prefeitura. Com aquele gesto, Zequinha uniu as quatro pontas institucionais: Igreja, Exército, Governo e Prefeitura.
Enfim, Zequinha tem mostrado, na prática, que não há impeditivo ou contradição em abordar as temáticas caras ao que se convencionou chamar de esquerda e direita, pelo contrário, tem demonstrado que superar estas distinções é que é urgente para se alcançar o bem-comum.
E esse é o significado de sua ampla aliança.