Enquanto a Europa inteira se isolava, o governo não impôs restrições e deixou a critério da população manter o distanciamento
Por Julia Braun
Com mais de 32 000 casos confirmados, a Suécia, na quinta-feira 21, contava quase 4 000 mortes, cerca de 30% acima da média do período em anos normais e até dez vezes mais do que os vizinhos escandinavos (veja no quadro ao lado). O país admite falha no cuidado com os idosos — mais da metade dos mortos acima de 70 anos estava em casas de repouso, despreparadas para lidar com a Covid-19. “Não prevíamos uma alta taxa de mortalidade. Calculamos que muitos ficariam doentes, mas as mortes foram uma surpresa”, disse o epidemiologista Anders Tegnell, à frente da resposta sueca à pandemia e uma espécie de Anthony Fauci — o americano que segura o ímpeto liberalizante de Donald Trump — às avessas. No entanto, a experiência mostra que, quanto menos controle, mais aumenta o número de vítimas. Os governos do Reino Unido e da Holanda também flertaram com a ideia de se limitar a restrições suaves no início da epidemia, mas desistiram diante do impacto social da escalada de contaminação e mortes.
Até agora, o primeiro-ministro social-democrata Stefan Löfven não deu sinal de que vá implantar maiores controles, confiante em que o acerto de sua estratégia vai ser observado no futuro, quando a pandemia tiver passado. “A vantagem deste sistema é que podemos mantê-lo enquanto durar a pandemia, sem necessidade de reaberturas bruscas. Também fica mais fácil apertar um pouco as regras se acontecerem novos surtos”, diz o imunologista Kjell Torén, professor da Universidade de Gotemburgo e um apoiador das medidas do governo — como, de resto, a maioria da população. Ajuda muito a evitar uma disseminação descontrolada do novo coronavírus o fato de a Suécia, diferentemente do Brasil, ser um país de pouco mais de 10 milhões de habitantes escolarizados e disciplinados, registrar uma baixa densidade populacional, ter um grande contingente de pessoas que moram sozinhas e contar com um excelente serviço de saúde. Mesmo com a desobrigação de cumprir quarentena rígida, um terço dos suecos optou por trabalhar em esquema de home office, a frequência nos restaurantes caiu 70% em abril (voltou a crescer com a subida da temperatura) e o transporte público tem sido menos usado.
As projeções do governo são de que 40% a 60% da população da Suécia terá os anticorpos contra o coronavírus até junho. Mike Ryan, diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), vê na imunização natural da população “um cálculo muito perigoso”, pelo potencial de mortes que carrega. O ex-primeiro-ministro Carl Bildt chegou a recomendar que o epidemiologista Tegnell fosse amordaçado cada vez que se dispusesse a conceder uma coletiva à imprensa. Por sua vez, a premissa dourada de que menos restrições fariam reduzir o impacto econômico da pandemia também não está se confirmando nas estatísticas. O Banco Central da Suécia prevê para este ano um recuo no PIB da ordem de 7% a 10%, semelhante ao dos demais países da Europa. É melhor começar a procurar outro exemplo.
Colaborou Amanda Péchy
Publicado em VEJA de 27 de maio de 2020, edição nº 2688
fonte;Veja.com